A exigência de CPF é ilegal para o fornecimento de descontos pelas farmácias, a prática pode ter razões muito mais escusas, como, por exemplo, a venda dos seus dados para outras empresas.

Se você tem o hábito de informar seu CPF quando vai realizar uma compra na farmácia, não faça mais isso! Certamente, ao chegar ao final da leitura você vai entender o porque desta orientação. Imagine o seguinte cenário: você entra em uma drogaria para comprar um produto ou um medicamento que precisa. Perceba que mesmo quando às vezes o pagamento é feito em dinheiro o atendente solicita seu CPF. Mais do que isso, em alguns lugares estão solicitando o cadastramento da impressão digital do consumidor. É isso mesmo, você não leu errado.

Você responde que não (ou que sim), cadastra o dedo ou não. Então, ele pede o seu CPF para verificar quais os descontos válidos para você naquele dia. Você provavelmente os fornece. Daí, o atendente imprime uma nota com vários descontos em diversos produtos, certo? Você escolhe alguns deles (ou não) e se dirige ao caixa para pagar. Lá, outro funcionário pede para você digitar o seu CPF na maquininha de cartão ou colocar o dedo que você cadastrou (a sua impressão celular), sem dar muitos detalhes de qual a necessidade daquela informação. Você digita. Em seguida, ele passa os seus produtos, fala o preço final, você paga e vai embora com sua compra.

A compra hipotética que acabamos de relatar faz parte da vida de milhões de brasileiros. Afinal, este procedimento se tornou praxe nas grandes redes de farmácias do país e, se em primeiro momento parece algo inofensivo, tem levantado inúmeras críticas acerca de sua legalidade e dúvidas em relação ao que essas empresas estão fazendo com esses dados.

Se ainda não entendeu como isso pode trazer prejuízos, vamos considerar a seguinte hipótese: você é cliente de uma rede de farmácias do seu bairro e compra há anos os seus remédios naquele estabelecimento. Nos últimos anos, você tem se sentido mais fraco e tem aumentado a necessidade de tomar antibióticos e anti-inflamatórios. Sempre que você compra os seus remédios, te pedem o seu CPF para buscar algum desconto, que até são aplicados uma vez ou outra. Em um belo dia, você é surpreendido com a notícia de que o valor do seu plano de saúde vai subir. Você não entende o porquê, já que continua na mesma faixa etária.

A explicação é simples, o conglomerado que controla seu plano de saúde comprou os dados dos últimos dez anos da rede que controla a farmácia onde você compra seus medicamentos. Ao cruzarem os dados, perceberam que sua saúde tem enfraquecido e que logo a sua necessidade de utilizar o plano provavelmente também vai aumentar, gerando mais gastos para a empresa. Então, te colocam em uma espécie de “grupo de risco” e aplicam um adicional no valor do seu plano.

Em outro cenário, em que a pessoa não tem um plano de saúde, a empresa que fornece o plano poderia até negar ou dificultar a contratação do interessado com base no histórico de compra de remédios em farmácias, visando evitar assegurar pacientes que tragam mais dispêndio do que lucro.

Esses são apenas alguns exemplos de como a simples atitude de informar o seu CPF nas farmácias pode trazer prejuízos, sejam eles à sua privacidade ou ao seu bolso. Em São Paulo, foi promulgada no da 1 de março de 2021 a Lei 17.301/2021, sendo que a farmácia que solicitar CPF ou cadastrar digital para conceder desconto, poderá receber uma multa de R$ 5.500,00.

E a situação também não passou despercebida em outros estados, como no Distrito Federal, onde o Ministério Público (MP) iniciou uma investigação sobre o fornecimento de descontos mediante a coleta do CPF, com a suspeita de que as farmácias estariam vendendo os dados dos clientes em mercado paralelo. Em Minas Gerais, o MP também investigou o caso, decidindo multar uma rede de drogarias em quase R$ 8 milhões de reais, para em seguida firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que previa que, caso a rede quisesse coletar o CPF e fornecer descontos por isso, deveria ter um programa de fidelidade no qual as pessoas optariam por se filiar, podendo escolher se gostariam ou não de compartilhar seus dados. Ou seja, a solicitação de CPF em toda compra deveria acabar imediatamente.

Diante desse cenário, nós, cidadãos comuns, podemos tomar duas atitudes práticas. A primeira é se negar a fornecer o nosso CPF na hora de comprar qualquer produto. Não é obrigatório e o máximo que você vai ganhar é um olhar de estranhamento. Caso o objetivo seja usufruir de algum tipo de desconto, a outra saída é se cadastrar no programa de fidelidade do local e optar para que seus dados não sejam, em nenhuma hipótese, fornecidos a terceiros. Você tem esse direito e pode exercê-lo.

O que você deve considerar a partir de hoje e do acesso dessas informações:

  • A questão é que, pelo art. 43, § 2 do Código de Defesa do Consumidor, a abertura de cadastro de dados pessoais e de consumo só pode ser efetuada ou a pedido do cliente ou caso seja comunicado a ele por escrito. É aqui que se inserem os “programas de fidelidade”. Neste caso, não há nada de errado em fornecer descontos. O que caracteriza prática abusiva, nos termos da lei consumerista, é diferenciar, por meio do fornecimento de descontos, um cliente do outro simplesmente porque um deles forneceu o CPF na hora da compra e o outro não, sem que qualquer um deles faça parte de programa de fidelidade. Isso não é desconto, isso é, em outras palavras, um “pagamento” pelo fornecimento dos seus dados pessoais, em clara afronta ao dever de informação previsto no inciso III, do art. 6º do CDC. Você faz uma “venda” sem saber que está “vendendo” e nem para quem isso está sendo repassado.
  • A realidade atual é que, a despeito dos esforços do poder público em coibir determinadas condutas das empresas do ramo farmacêutico, dados valem muito dinheiro. Principalmente quando eles estão atrelados a outro tipo de informação, como, por exemplo, a saúde, e esse fenômeno é global.
  • Enquanto não estiverem em vigor leis que proíbam diretamente a coleta indiscriminada de dados, muitas empresas vão preferir contornar as previsões consumeristas em prol de lucros exorbitantes, principalmente quando as punições se resumem a acordos de ajuste de conduta ou notificações inofensivas.

Afonso Morais – Sócio Fundador da Morais Advogados Associados.